Horror


Tanto horror

Por Zarcillo Barbosa em 16/12/2012.

A cada tragédia que se repete com as mesmas cenas de horror volta à discussão o problema da venda de armas, sem controle nos Estados Unidos. Curioso que nas campanhas eleitorais os candidatos evitem esse assunto, temerosos de contrariar um dos fetiches do estilo de vida naquele país.

Todo norte-americano tem mais de uma arma em casa. Vão desde pistolas de grosso calibre a fuzis de caça. Metralhadoras e bazucas podem ser vistas nas vitrinas das lojas especializadas. Essa inclinação à autodefesa se conecta com uma sociedade individualista que não tem confiança no estado e nem crê que as autoridades tenham a obrigação de protegê-lo.


A Segunda Emenda da Constituição norte-americana garante o direito de acesso a armas, desde os tempos do far-west. A cada ano 10 mil pessoas morrem assassinadas por armas de fogo; 600 morrem por acidentes com armas e quase 19 mil suicídios são cometidos pelo mesmo meio. As armas “domésticas” causam mais mortes do que as guerras em que se envolvem os EUA.


A chacina de Newtown, Connecticut, com 20 crianças mortas e sete adultos põe de novo o assunto sobre a mesa, mas dificilmente apresentará resultados positivos. O presidente Barack Obama falou emocionado sobre a tragédia sem sequer acenar para a possibilidade de coibir a grande facilidade da indústria armamentista de expandir o seu mercado local. Desde Columbine, onde 12 crianças e um professor morreram em 1999, ocorreram outros 18 tiroteios similares. No mais sangrento, 34 jovens estudantes foram vítimas na Universidade Virgínia Tech, em 2007. Em todas as matanças, e em outras de menor repercussão, restou comprovado que os assassinos puderam cumprir seus planos sinistros porque, antes, tiveram acesso às armas que necessitavam. E ao devido treinamento para tirar delas o efeito máximo. No caso de Connecticut, segundo as primeiras informações, o pistoleiro atuou com quatro armas distintas, todas legalmente compradas por sua mãe, que também foi morta pelo filho.

No governo de Obama as facilidades de compra só aumentaram. A explicação é simples: a indústria de armamentos leves é a maior financiadora de campanhas eleitorais e conta com poderoso lobby no Congresso. Desde a chacina da Universidade Virginia Tech, foram vendidas 16.800.000 armas, o dobro do que foi vendido nos últimos dez anos. Os americanos são loucos também por estatísticas, mas só para contabilizar o sucesso industrial.

Em Newtown, cidade com 26 mil habitantes de classe média alta, há dez anos não ocorriam homicídios. A população é assídua frequentadora de cultos evangélicos. Como explicar que isso possa ocorrer em uma comunidade tão ordeira e pacata? Os sociólogos garantem que os desastres, como na aviação, nunca acontecem por uma só causa. Existe também certo efeito mimético. Na natureza as espécies tóxicas se assemelham e se copiam. É inerente às mentes desequilibradas repetir o modus operandi de alguém que conseguiu minutos de fama, neste mundo do espetáculo. Principalmente se esse resultado foi conseguido de maneira rocambolesca, “heroica”. Por esta espetaculosidade, em julho último um jovem matou 12, na estreia do filme de Batman, em Denver. O pistoleiro solitário se disfarçou de Joker (Coringa), o vilão da história do filme. A tragédia poderia ter sido ainda maior. A polícia achou na sua casa uma armadilha mortal: artefatos prontos a explodir que o FBI conseguiu desativar. As motivações não param por aí. No Rio de Janeiro, em abril de 2011 um ex-aluno de uma escola primária de bairro pobre (Realengo), matou 11 crianças a tiros e se suicidou. Deixou vídeo e textos queixando-se de discriminação e “bullyng” – aquela forma de perseguição entre colegas de escola.

O fato casa com o ocorrido em 2009 quando um imigrante vietnamita assassinou 13 pessoas em um centro de estrangeiros em Nova York. Um psiquiatra militar de origem árabe matou 13 soldados em uma base militar, no Texas. A discriminação racial pelos não-brancos de origem saxônica é característica norte-americana. O problema é que o horror se repete em países considerados altamente civilizados como na Noruega, Dinamarca e Alemanha. Fala-se também em desagregação familiar, o que leva ao individualismo egoísta. O presidente Obama declarou que iria, com sua mulher, abraçar as duas filhas e dizer a elas o quanto são amadas. Se não for uma saída, pelo menos servirá para melhorar o mundo, a partir do limiar de um novo ano. 

Texto do jornalista Zarcillo Barbosa, colaborador do JCNet.

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